"A liberdade olha pra baixo, pra sua modesta possibilidade e se agarra à finitude para nela firmar-se" (S.K)
Há qualquer coisa que se parte quando se parte, mas em qualquer parte há qualquer coisa pela metade. Pouco importa a inexatidão. Somos busca por sentir na própria busca por razão. É preciso aceitar a contradição. Nesse murmúrio destituído de sentido são os sentidos que forjam o mundo. Pra cada emoção invento um mundo recoberto de razão. Reinventar a explicação é desaprender o aprendido. O que foi apreendido é só uma questão de gosto dos sentidos. Somos seres viciados em repetição. Se a faísca de algo novo insiste uma ousadia, emendamos velhos cacos. Não há lugar na terra que abrace o novo como filho. Somos amantes de anciãs ideias. Velhos instintos forjam a humanidade. Parte de mim se sabe espécie e constrói raízes entre os homens, parte de mãos dadas e pés colados. Da outra parte, reconheço a desumanidade de um querer ser sempre só, desses pés partidos mil cujo instinto é correr mil mundos. De meu, inclusive, só tenho o palpite de que impossibilitados de admitir o caos que a tudo devora, foi preciso digerir uma ordem. Mas, cada homem é todo metade pra inventar a ordem que lhe satisfaz. Assim, na minha metade eu quero o caos por inteiro. Não por amor à desordem, mas por desamor à verdade, essa mentira tão bem contada dos velhos homens humanos.
J. Scarpelli
Desenho “Endopoesia”, aquarela e nanquim.
“Grande texto e de autenticidade brilhante!” Assim falaria Zaratustra.
Republicou isso em walking alongside myself.